Mudei eu ?

 

Mudou o mundo ou mudei eu ?

 

* Edson Rontani Jr.

 

“Atentado terrorista deixa 1.500 mortos”, ouvi no rádio dias atrás ao me levantar para mais um dia de trabalho. “Puxa ! 1.500 mortos é um número elevado”, matutei ainda incrédulo, pensando que talvez esta cifra fosse efeito do sono. Em seguida, busquei completar a informação ligando a tv e, mais tarde acessando a Internet. Ou o locutor da emissora de rádio se enganou ou realmente eu estava ensonado. Foram cerca de 180 mortes nas explosões de trens na Espanha ocorridas no dia 11 passado.

 

A notícia choca como chocou o 11 de setembro de 2001. Não sei ao certo qual é a informação mais castigante para nossas mentes. Imaginar, sem ter o acesso às imagens, que diversos trens explodiram ou assistir ao vivo os jatos serem lançados no World Trade Center. Uma imagem mostra tudo. Mostra aquilo que nem pensamos que poderia ocorrer. Já a interpretação do fato – que nos chega, como neste caso, via rádio – pode fazer com que imaginemos um fato simples, sem nos darmos conta de seu complexo estado caótico. A certeza é que as imagens justificam nossa incredulidade diante da bestialidade humana.

 

Por mais sarcástica que seja uma atitude terrorista, o efeito é inimaginável até mesmo para o seu executor. Isso, vimos quando Osama Bin Laden confessou em entrevista exibida no ocidente que, mesmo sendo engenheiro, não esperava a implosão do World Trade Center após o jato lançar-se sobre as Torres Gêmeas. “Esperava apenas que alguns andares fossem destruídos”, disse ele.

 

Nas últimas décadas, a imagem tornou-se o testemunho casual dos fatos, interagindo com um interlocutor (público) que, avidamente curioso, assiste aos noticiários buscando tragédias. A revista Veja, em sua edição da semana passada, trás em sua capa uma foto horrível. Bombeiros espanhóis cobrindo corpos de pessoas mutiladas com a explosão dos vagões. O repórter foi mais rápido e fotografou o corpo dilacerado de uma mulher, que nos provoca nojo por pertencermos a uma raça que mata sem ter razão. Folheando a mesma revista, vemos fotos mais horrendas. Pedaços de corpos ao lado dos trilhos de trens. Corpos de pessoas … De seres humanos como eu e você !

 

Disse um alto-comandante durante a Segunda Guerra Mundial que o mundo não piorou. O que melhorou foi a comunicação. Os jornais tornaram-se mais ágeis para divulgar o que raça humana faz. As tragédias sempre existiram. Basta olhar para o passado e notar como os romanos se divertiam : jogando seus inimigos aos leões e realizando apostas !

 

Ainda me recordo de um jornal mostrado por meu pai na infância, de nome L´illustration, publicado na França em 1826, o qual trazia a notícia de que o Brasil tornara-se independente de Portugal. Raciocinei. D. Pedro I proclamou a independência em 1822 e por que somente quatro anos depois é que o fato foi notícia na Europa ? Na época, a notícia viajava a navio. Não haviam supersônicos ou telefones. Demoravam-se anos para saber que um monarca morreu ou um tirano massacrou colônias de seu território.

 

Com o tempo, o homem soube dominar (ou domar) o uso da informação. O magnata William Randolph Hearst (retratado no filme “Cidadão Kane”), dono de um império norte-americano de emissoras de rádio e jornais “fabricou” o estopim da Guerra Civil Espanhola na década de 30, publicando notícias forjadas que acabaram culminando na real insurreição da Espanha. Fotos de batalhas eram tiradas em ilhas próximas aos Estados Unidos e seus jornais traziam informações de que a Guerra já ultrapassava a zona urbana da Espanha. A história condenou esta ação ? De forma alguma ! Elogiou e elegeu Hearst como um político influente por sua ousadia e determinação.

 

Sites com fotos das explosões da Espanha na última semana são os mais visitados nos últimos dias. A busca pelo deplorável toma conta numa época de agilidade jornalística. Para todos, a informação está mais acessível.

 

Esta liberdade é prejudicial ou benéfica ? Não tira de nossas vistas a realidade, isso é certo. Mas, será que também não chega a ser um exemplo para outros mal intencionados ? Talvez isso seja até assunto para uma matéria futura.

 

Mas a dúvida ainda persiste : mudou o mundo ou mudei eu ? “Pare a terra que eu quero descer”…

 

* o autor é jornalista

 

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